ATÉ TU, POBRE LOBATO !!!
Texto de: Aileda de Mattos Oliveira (*)
Na História de um país, estão enraizados os acontecimentos vivenciados pelo seu povo: registros dos vários ciclos de mudanças culturais, políticas, religiosas, independentes da ordem em que se sucederam. Por esta razão, não é difícil de entender que ninguém pode interferir no que já aconteceu e modificá-lo ao gosto da ideologia do momento. Erros e acertos são próprios do homem, e um país é o resultado do que o homem fez, faz e continuará fazendo com ele ou por ele.
É terrível constatar a existência de pessoas que julgam o mundo, apenas, a partir de sua grosseira visão, independente da faixa etária em que se inclui. Pessoas que, sequer, consultaram obras ou jornais antigos para consubstanciarem as suas informações. O passado torna-se, para esta espécie de indivíduos, velharia que se retira do sótão, nos momentos de grandes faxinas.
Em cada um dos ciclos sobressai a evolução já alcançada pelo país, refletindo a capacidade de a sociedade ultrapassar as suas próprias limitações e deficiências anteriores. Não significa, no entanto, que por ocorrer uma mudança cultural ou de qualquer outra natureza com efeitos comportamentais, comecem, como Stalin, a fazer um expurgo ideológico e apagar as características que formaram a origem de uma nação e a personalidade de um povo, apenas para pôr em prática o prazer do mando, do abuso do poder.
Maneiras de dizer, provérbios, ditos populares, a maioria hereditária, recebida como herança lusitana, enquanto outras, representativas do sincretismo étnico e religioso da época colonial, consagraram e consagram o povo brasileiro como o de mais fácil integração racial e religiosa. Por esta razão, o acervo intelectual deste país, não pode ser alvo de analistas de última hora, nem de outra hora; de órgãos governamentais intrometidos e de políticos metidos a moralistas, quando têm, atrás de si, uma esteira de ações malcheirosas e, até mesmo, criminosas.
Por mais que desejem engessar dentro do quadrado da ignorância cultural o inquisitorial “politicamente correto”, sobressairá o “historicamente correto” porque é o que define o grau cultural de uma nação com liberdade de expressão, cultora de seu passado literário e linguístico. Não se podem rasgar as certidões de uma época, suas preferências lexicais, suas gírias, seus modismos, simplesmente porque um governo autoritário decide o que a sociedade deve ler, deve falar, deve escrever.
Monteiro Lobato e Malba Tahan foram hábitos de leitura adquiridos quando a Educação formava alunos e não os deformava, como agora é o seu objetivo político. Não há nas obras dos dois escritores nenhuma palavra chula, nenhuma expressão com conotação sexual ou deformadora de caráter. Ao contrário, Lobato transformou as suas obras num meio de a criança e o adolescente (da época) estimularem os seus conhecimentos, brincando de aprender, sem nunca ofendê-los com um linguajar de submundo como fazem os livros didáticos de hoje que, usando de uma pedagogia sem lastro, transmitem um arremedo de educação sexual às crianças do Ensino Fundamental, estimulando, antes do momento adequado, a sem-vergonhice oficial.
O Jornal Extra (30/10/2010, p. 5), subproduto de O Globo, violentou um trecho da obra “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, para favorecer os desígnios políticos dos seus patrões do governo. Diz o tal diário, pondo a responsabilidade no CNE (Conselho Nacional de Educação):”Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão.”
De maneira a denegrir a memória do autor, retiraram o período do contexto a que pertence, para dar ao verbo “trepou”, uma conotação grosseira, e habitual naqueles que conspurcam a língua, já tendo a mente conspurcada. A vírgula, depois do verbo, já denota que a oração seguinte é intercalada e que o verbo ficou, por esta razão, sem complementação, que deveria vir após a intercalação. No trecho original*, reproduzido mais à frente, pode ser comprovada a má intenção desses censores desprovidos de qualquer conhecimento da sintaxe da língua, daí a mutilação malfeita do texto do autor.
Fugindo das onças que adentraram o Sítio de D. Benta, tia Nastácia não sabe o que fazer: “Correu qual uma desvairada às pernas de pau que Pedrinho lhe tinha feito. Nada achou. A Cléu se havia utilizado delas. Olhou aflita para a escada. Bobagens, escada! As onças também trepariam pelos degraus. Seus olhos esbugalhados procuravam inutilmente a salvação.
Trepe no mastro! — gritou-lhe a Cléu.
Sim, era o único jeito — e tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro de S. Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros.
Foi a continha. A onçada toda já estava no terreiro.”
Como se pode observar, o “trepou” do jornal, do CNE, de outros tantos do governo, não é o mesmo “trepou” a que se refere o autor.
Já me antecipei em citar Malba Tahan, antes que a ignorância petista venha a vilipendiar a obra do emérito Professor, e dizer que as histórias narradas em ambiente árabe é uma provocação aos judeus. Só falta isso! A incompetência deste governo chegou a limites inimagináveis! Se permitirmos, será mais uma tentativa de esterilização mental da infância já tão antecipadamente adulta.
Até tu, Lobato, não escapaste da ignorância crassa que, nada produzindo, busca destruir, por mero prazer de admirar a demolição, as raras obras clássicas voltadas para a infância e a adolescência de uma época.
*Caçadas de Pedrinho e Hans Staden. Ilustrações de André Le Blanc. São Paulo: Brasiliense, 1957, p. 55)
(*) Prof.ª Aileda de Mattos Oliveira
Membro da Academia Brasileira de Defesa
Disponível em:
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=59282&cat=Artigos&vinda=S
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