segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Supremo não é instância para promoção de juiz

Por Marília Scriboni
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-set-22/stf-nao-instancia-promocao-juiz-carreira-professor

"O Supremo Tribunal Federal não é uma instância para promoção de juiz de carreira. Não é só judicial, mas também política." Foi com essa visão que Paulo Adir Casseb, advogado especializado em Direito Constitucional e diretor da Faculdade de Direito das FMU, direcionou sua fala no painel "Composição e Organização da Justiça Constitucional", realizado nesta segunda-feira (20/9) durante o XIX Encontro Nacional de Direito Constitucional do Instituto Pimenta Bueno. O evento se estende até esta quarta (22/9), na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo.

A mesa do painel foi presidida por Patrícia Pizarro Werner, diretora da Escola da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Além de Casseb, falaram sobre o tema José Levi Mello do Amaral Júnior, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP, Anabela Maria Miranda Rodrigues, professora de Direito e Processo Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e Luis Alberto Rocha, professor titular da Universidade da Amazônia (Unama).

A primeira composição do Supremo Tribunal Federal remonta ao ano de 1829, mais precisamente ao dia 9 de janeiro, quando foi chamado de Supremo Tribunal de Justiça e era integrado por 17 juízes. O nome Supremo Tribunal Federal foi adotado em 1890, quando Manoel Deodoro da Fonseca, então chefe do Governo Provisório de um país que ainda se chamava República dos Estados Unidos do Brazil, assinou o Decreto 848, revogado mais de 100 anos depois, pelo Decreto 11/1991.

Àquela época, não era só o "z" do Brazil que poderia associá-lo aos Estados Unidos da América. Casseb explicou em sua palestra que o STF sofreu uma considerável influência da Constituição dos EUA. Após a proclamação da República, os traços americanos no Supremo daqui tornaram-se evidentes. "Com o tempo", explica, "nós importamos também elementos do modelo europeu, resultando em um constitucionalismo à la brasileira".

Da Europa ficou o modelo abstrato, dos Estados Unidos, sobretudo, o emblemático artigo 386 do decreto: "Constituirão legislação subsidiária em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e comercial, não sendo contrárias às disposições e espírito do presente decreto. Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações jurídicas na República dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de common law e equity, serão também subsidiários da jurisprudência e processo federal no Brasil".

Ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil determina o número de ministros que devem ocupar as cadeiras do tribunal. Hoje, o Supremo Tribunal Federal conta com 11 vagas de ministro, mas já chegou a 16, durante o governo de Getúlio Vargas. Atualmente, persiste a nomeação por meio da indicação presidencial, que, mais tarde, passará pelo crivo do Senado Federal.

Essa indicação única, partindo do chefe máximo do Executivo, foi um dos pontos centrais da fala de Casseb. Ele expôs os motivos que justificam a decisão singular. "A consciência do peso da responsabilidade da indicação refletem em um maior cuidado", diz.

Além disso, ele falou em como o Supremo Tribunal Federal não pode servir como mais um passo a ser dado por um juiz de carreira, por entender que não se trata de uma instância para promoção de integrantes do Judiciário. Sendo uma corte política, não pode ser despolitizada. Daí a importância em concentrar essa escolha nas mãos de uma única pessoa. O papel do órgão, explica, é invalidar leis feitas pelo povo por meio de seus representantes, que foram escolhidos por ele.

A combinação de corte jurídica, mas também política, confere ao STF uma peculiaridade. "É preciso tomar cuidado com as propostas de caráter corporativo e com o feudalismo constitucional, do qual fala Pedro Calmon", alertou Casseb, referindo-se à abundância de propostas de emendas constitucionais que correm pelo Judiciário.

Sobre as tais emendas discorreu outro palestrante, o professor José Levi. Segundo ele, já se contam 15 PEC’s com o intuito de mudar a composição e o funcionamento do Supremo. As propostas vão desde a instituição de um mandato para os ministros — caso da PEC 441/ 2009 — até a realização de uma votação interna, na qual os próprios ministros escolheriam os novos membros, tratada pela PEC 566/ 2002.

Assim como Casseb, Levi também concordou no ponto sobre como o STF serve, dentre tantas outras funções, para "disciplinar a vida política do Brasil". É por meio da guarda da constituição que o tribunal atua politicamente. E ele pratica isso fazendo-se valer das diversas sensibilidades que compõem seu corpo de ministros, que diferem dos outros na medida em que "equiparam-se ao legislador, pois preenchem uma lacuna que só virá a ser deixada futuramente". E assim, nesse desfazer de leis, toma para si a competência de decidir acerca de questões delicadas. "Por isso, as decisões requerem muito zelo e cautela", opina Levi.

O que ele mudaria? "Faria uma mudança cirúrgica. Dotaria de mandato para evitar as decisões abruptas, a fim de gerar jurisprudência uniforme. Também aumentaria a maioria de aprovação do candidato pelo Senado, para que a maioria pudesse discutir com a minoria, gerando consenso."

Já o professor Luís Alberto Rocha acredita que o Supremo caminha para um cenário de formação de precedentes jurisprudenciais. Se no começo o tribunal mantinha um poder difuso, cada vez mais ele se concentra. Diante desse quadro, no qual muito se pensa que trata-se um tribunal recursal, "os recursos podem diminuir ante o caráter infrutífero do órgão nessa atribuição".

A professora Anabela inaugurou a mesa. A penalista não falou sobre Direito Constitucional, mas sim de constituição penal. "O Direito Processual Penal é Direito Constitucional aplicado", explicou. Com esse viés, ela dirigiu seu discurso no sentido de que o direito processual penal visa a tutelas de bens jurídicos e às garantias fundamentais do ser humano.

Segundo a penalista, um ponto a ser levado em consideração é o equilíbrio a ser conquistado entre a limitação dos direitos fundamentais e a segurança dos cidadãos. Por isso, acredita que cada vez menos o juiz deve exercer a função de aplicar normas aos casos concretos, mas, sim, a de proteger as garantias fundamentais e a dignidade da pessoa humana.

Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico